É como um presente discreto e sem papel de embrulho, com uma pedra preciosa no interior. O trabalho voluntário em Portugal vale pelo menos 0,8% do Produto Interno Bruto e tem tendência a crescer.
Para Maria Amélia Lopes, professora aposentada que há perto de um ano "oferece" à Biblioteca Municipal de Sesimbra ateliês de escrita criativa para crianças, as horas de voluntariado não têm preço. São "um desafio" que lhe permite manter activo "o bichinho" que sempre a moveu profissionalmente: a "paixão" pela língua portuguesa.
O voluntariado cultural é um dos sectores emergentes em Portugal, assinala Elza Chambel, presidente do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado (CNPV). Além de novas áreas, caminha-se para uma maior qualificação profissional, razão que torna imperioso avaliar o seu peso na economia.
Foi à descoberta desse valor quantitativo que partiu Maria dos Anjos Almeida, do Observatório do Emprego e Formação Profissional, em colaboração com o CNPV. As contas serão apresentadas na próxima sexta-feira, durante um fórum europeu que analisa o papel do voluntariado na promoção do desenvolvimento.
"Trata-se de uma estimativa, não de uma contabilidade", começa por ressalvar Maria dos Anjos Almeida. Uma estimativa em que, ainda assim, acredita de forma convicta - o resultado apontou para 0,8% do PIB (ou seja, 1304 milhões de euros, a valores de 2007). A investigadora admite uma margem até 1%, mas não mais do que isso.
Através de um inquérito a um universo seleccionado de instituições, apurou volumes de horas por áreas profissionais, a que aplicou os valores da tabela de remunerações do Ministério do Trabalho. Para voluntários ocasionais calculou remunerações médias. Inspirou-se em metodologias seguidas noutros países, com mais tradição de voluntariado. É o caso do Canadá, que aponta para 1,4% do PIB.
Roque Amaro, professor do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e Empresa, acredita que o valor nacional seja mais alto: "Não está em causa apenas o número de horas, mas a sua qualidade". Não tem dúvidas de que no futuro esse valor irá subir e destaca que se está a abandonar uma matriz de puro voluntarismo, rumo ao enquadramento organizacional e qualificado. Que tem como reverso o "maior prestígio do trabalho voluntário".
Qualificar o voluntariado é precisamente uma das missões do CNPV, a que se juntam a promoção de novas iniciativas e a organização das redes locais. Porque no terreno há muitas iniciativas, mas às vezes "muito espontâneas, com o que isso tem de bom e de mau", Elza Chambel destaca a importância de se investir em formação. "O voluntariado tem de ser tão qualificado como uma profissão qualquer".
Compromisso e gratuidade são, na sua opinião, as duas chaves para se ser voluntário. E não há, pergunta-se, voluntariado remunerado - como o entendem programas internacionais, nomeadamente das Nações Unidas? "É uma discussão que nos leva muito longe. Alguns países defendem a existência de benefícios fiscais, por exemplo".
Elza Chambel puxa da ajuda da língua francesa para ilustrar essa dualidade de perspectivas: "bénévole" é uma pessoa que trabalha a título totalmente gratuito; "volontaire" alguém que se dispõe a missões com alguma remuneração.
Dentro de portas é o primeiro conceito que impera, com um dinamismo que deixa Elza Chambel satisfeita. O "maior sinal" desse crescimento, sustenta, é a abertura de novos bancos locais. Quinta-feira passada foi assinado, em Mangualde, o protocolo do 70º a nível nacional. E há mais 23 em fase de implementação.
A par de áreas como o ambiente, a cultura ou a cooperação para o desenvolvimento, o voluntariado tem vindo também a crescer no meio empresarial. O Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial (GRACE) conta actualmente com 50 empresas e promove iniciativas sociais e ambientais.
João Reis, presidente do GRACE, reconhece haver do público a "desconfiança" de que apenas se procura a divulgação empresarial. A mais-valia, contudo, é outra: "As acções são um dia de trabalho diferente e uma forma muito importante de criar espírito de equipa".
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