Tuesday 24 June 2008

“O Estado devia criar incentivos para a RS”



A nova lei de reforma da Administração Pública “responsabiliza o Estado, mas pouco”, acusa Marcelo Rebelo de Sousa, para quem “o Estado devia criar incentivos para as empresas que desenvolvem estratégias de RS”. No plano dos Valores, faz hoje falta ao País “uma esquerda cristã” que reconheça uma nova dimensão social da sociedade.

A greve dos camionistas que paralisou recentemente o País serviu de pretexto para a afirmação polémica, na abertura do debate: “em matéria de diagnóstico estamos todos de acordo, não é por acaso que vivemos uma semana marcada pela irresponsabilidade do Estado na gestão do assunto”. Também não é por acaso que “a definição de fronteiras entre os sectores público e privado está na ordem do dia”.

Traçando um percurso histórico de oitocentos anos, o professor lembrou que Portugal fez um processo secular no qual o Estado “chamou a si tudo o que podia na sociedade portuguesa, controlando o patronato, a actividade laboral, as academias, as universidades”. Tudo dependia, de uma forma ou de outra, do Estado.

Esta “cultura estatizante” foi-se fazendo ao longo dos tempos (“para o bem e para o mal, mas sobretudo para o mal”, repara) com este Estado-padrinho, que perdurou para lá da I República, no Estado Novo e durante a Revolução. Só depois do arranque das privatizações, há cerca de quinze anos, começou a haver distanciamento para discutir o problema da delimitação de funções entre o Estado e a sociedade civil.

E se “hoje há alguma serenidade no debate sobre esta matéria”, ainda estamos a descobrir, nalguns aspectos há menos de vinte anos, mudanças culturais que vão no sentido oposto a séculos de cultura cívica, sublinha Marcelo de Sousa.

A herança deste “Estado estatizante” é uma sociedade que tem enraizada uma cultura anti-liberal, contra a economia de mercado, razão pela qual “a Direita liberal é a Direita mais fraca em Portugal e a Esquerda liberal não existe, tradicionalmente”. “Isto explica porque é que o Estado se tornou um senhor absoluto e portanto irresponsável”, conclui.

Além de absolutista, o Estado “criou mecanismos próprios para não ser responsável - nem juridica nem eticamente - perante a sociedade, explicou. Recordando que em Portugal “tivémos uma lei da responsabilidade do Estado e da Administração Pública que vigorou quarenta anos”, o professor admitiu que a mudança não é fácil, mas concluiu que a própria reforma administrativa levada a cabo pelo actual Executivo “começou pelo fim” e suscitou dúvidas (até por parte do Presidente da República).

A nova lei deixa ainda transparecer “a ideia de que a Administração Pública tem de ser protegida, através de pequenos aspectos “que mostram como a mentalidade está lá”, rematou. Exemplos disso são a presunção de culpa leve no caso da responsabilidade cívica de uma entidade pública face aos particulares, “que é a melhor maneira de desresponsabilizar o pessoal administrativo” ou a culpa funcional, criada nos tribunais quando a culpa deriva anonimamente do mau funcionamento do serviço. Culturalmente, esta atitude tem a ver com não querer apurar responsabilidades, insiste o professor.

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O diploma, que passou por vários Governos antes de ser aprovado, mantém, subliminarmente, a ideia de “responsabilizar, mas pouco, o mínimo possível”, adverte. Se juntarmos a isto a lentidão do sistema judiciário, a complexidade organizativa da Administração Pública e a tendência para acabar com as “violações especiais de poder” (praticadas por alunos numa escola, por exemplo), percebemos como é ainda difícil definir fronteiras de responsabilidade pública. É que, apesar da abertura da economia social de mercado e da integração europeia de Portugal, este é um problema de mentalidades que requer uma necessariamente longa revolução cultural, constata Rebelo de Sousa.

Se projectarmos esta realidade na relação do Estado com as empresas ou nas funções que exerce na tutela dos privados, deparamo-nos com a insensibilidade do Estado face à RSE, ao invés de encontrarmos políticas de incentivo, “que o Estado devia ter, nos diversos domínios”. “As empresas não pensam apenas nos stockholders mas também nos stakeholders, há muito trabalho feito” em matéria de responsabilidade social. A RS deve crescer por via de obras sociais na comunidade de cada empresa, defendeu, e o Estado até começa a ser sensível a esta questão, mas “ainda não tem a noção exacta da sua importância: é preciso ganhar uma luta cultural.

Uma batalha cultural de todos


Perante a necessidade de mudanças profundas, impõe-se a questão: o que pode cada um de nós fazer? Muita coisa, se tivermos em conta que “o Estado somos todos”. Desfazendo o equívoco de que o Estado é uma entidade abstracta que não diz directamente respeito aos cidadãos, Rebelo de Sousa esclareceu que, pelo contrário, se trata de “uma comunidade fixa na qual o poder político está ao serviço da comunidade”. A ideia inversa é também ela uma herança cultural do passado, que deve ser desmistificada através da consciencialização de que toda a comunidade portuguesa, através da sua actividade económica e social e das suas posições políticas, sindicais ou cívicas, deve travar esta batalha cultural, propõe o convidado da ACEGE, naquele que foi um dos almoços-debate mais concorridos de sempre.

Se junto dos jovens “a mentalidade começa a mudar” no que concerne o relacionamento com o Estado, para os media “o Estado ainda é visto como um pai todo-poderoso”, perpetuando-se a atenção excessiva que recebe por parte dos orgãos de Comunicação Social, incapazes de utilizar o poder que têm para divulgar mais as iniciativas da sociedade civil, nomeadamente nba área de RS, acusa Rebelo de Sousa. Pessimista, o professor defendeu ainda que as tecnologias de comunicação emergentes poderão potenciar este comportamento, proporcionando, mais ainda do que os meios audiovisuais, “veículos e instrumentos de intervenção de cultura cívica” que poderão ser mal utilizados.

De quem é, então, a responsabilidade por esta luta cultural de Valores? Falando para uma plateia cristã, Rebelo de Sousa esclareceu que “não há nem deve haver uma questão de confronto entre a Igreja e o Estado”, a este nível. “Existem, sim, vários comportamentos do poder político – relativamente a certos regimes de Segurança Social ou de Educação, que vêm afectando bastante as escolas de inspiração cristã, por exemplo – que, directa ou indirectamente, estão a atingir valores católicos essenciais”, como a Vida, a Família ou o Casamento, apontou, numa clara alusão à legalização do aborto e às recentes alterações na lei do divórcio. “Há, no mínimo, uma insensibilidade na definição de quadros legislativos, para não dizer que há uma intenção que afecta toda a sociedade portuguesa”, na medida em que as instituições de índole religiosa são fundamentais em domínios como a Educação, a Saúde ou a Segurança Social”, comentou a este propósito.

ais grave, há no plano dos valores “uma sistemática aceleração da maioria mais à Esquerda”, que está a conduzir de forma “galopante” à dissolução do modelo tradicional de família (“trazendo ao casamento a instabilidade própria das uniões de facto”, diz) e a pôr em causa, através das modernas tecnologias de saúde, o próprio valor da Vida. Sóbrio, Rebelo de Sousa rejeita, contudo, que os cristãos façam deste fenómeno um cavalo de batalha, vincando que “seria um erro fazer disto um conflito entre a Igreja e o Estado”. Na sua opinião, os cristãos já estão a perder este combate cultural, nomeadamente nas áreas metropolitanas como Lisboa, (e paralelamente a outros instrumentos de poder que lhes começam a escapar, como as televisões), o qual deve ser assumido pelos leigos, através de associações como a ACEGE ou de entidades tão relevantes como a Universidade Católica.

Defendendo que a dimensão cristã não é “adicional, mas essencial”, Rebelo de Sousa congratulou-se com o facto de existirem em Portugal cristãos presentes nas várias estruturas (e não confinados aos lugares de culto), deixando o repto: “a nossa fé impõe-nos necessariamente um carácter missionário e evangelizador, pelo que não devemos aceitar uma visão hiper-laicista, que nos recuse a possibilidade de questionar e actuar” na vida social, económica e política do País. Liberdade religiosa nao é apenas liberdade do culto, concluiu.

O professor admitiu que os cristãos “se deixaram encurralar no quadrante doutrinário” e, nesse sentido, faz hoje falta ao País “uma esquerda cristã” que reconheça uma nova dimensão social da sociedade.

Afinal, a Fé é sinónimo de responsabilidade acrescida e, logo, de maior empenhamento social. Tudo o que os cristãos portugueses puderem fazer a favor de uma cultura de responsabilidade colectiva e de auto-responsabilização enquadra-se na sua missão religiosa. A mudança é um fenomeno cultural que terá como protagonistas os mais jovens.

fonte: (consultado em http://www.ver.pt/conteudos/ver_mais_Geral.aspx?docID=569 , em 24\junho 08)



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